quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Reforma Política: uma ação contra a situação

Reproduzo aqui texto do amigo camarada Igor, uma boa reflexão a luz de um depoimento histórico.


Ao invés de lamentar, combater a corrupção - Por Igor de Fato

Dentro da chuva de e-mails que recebo todos os dias, recebi um que me chamou atenção. A mensagem intitulada “Reclamando do que?”, tinha como tema central “a vergonhosa classe política brasileira”, lembrando que a mesma é eleita pelos brasileiros, sustentando a tese de que os políticos são corruptos porque são um reflexo de quem representam, ou seja, os eleitores. Partindo desta constatação, a mensagem em meio a emoticons (desenhos que expressam emoções) e caracteres de várias cores e tamanhos, conclama para uma “mudança de atitudes” das pessoas. Na frase final, o e-mail sentencia: “A mudança deve começar dentro de nós, nossas casas, nossos valores, nossas atitudes!”

Marina Silva: porta-voz da classe média desiludida

Adorei receber este e-mail porque ilustra um posicionamento que tem hoje em Marina Silva seu principal porta-voz, assim como teve em Heloisa Helena no passado. Quem são essas pessoas escandalizadas com a política que exigem “mudança de atitudes”?

Posso identificar várias características comuns dessas pessoas. Uma delas é a de que um dia votaram no Lula e se desiludiram com os escândalos de corrupção. Em geral, essas pessoas tem um padrão de vida razoável em comparação a maioria da população brasileira, possuem um emprego decente, e um razoável nível de escolaridade. Construíram uma mágoa em relação a política provocado pelas constantes manchetes na imprensa que associam a prática política a atividades desonestas.

Alguns desenvolveram afeição pelas causas ambientais, se sentindo comovidas por formas ativistas de salvação do planeta que partam do plano individual como mudar as atitudes separando o lixo, ou ainda se envolvem em grupos de ativismo que não sejam influenciados pela política partidária, que é tida como suja e digna de distância.

A crise do mensalão e a carta dos movimentos sociais

Quando em 2006 o mensalão foi divulgado na mídia massivamente, eu também fui assaltado pelo sentimento da desilusão, da perplexidade. Mas antes de me posicionar, eu li muito o que se dizia, observei as movimentações. Vi o PSOL se fortalecer, com Heloísa Helena vociferando discursos pela ética. Vi gente como Cristóvam Buarque abandonar o PT, li sua carta de desfiliação. Lia César Benjamin anunciar a morte do PT como partido da transformação, e acompanhei atento o processo de desfiliação de Plínio de Arruda Sampaio. Muito se dizia que política institucional não devia mais ser disputada. Eu só observava a tudo.

Uma coisa que me marcou muito naquela época foi uma movimentação encabeçada pelo MST, pela CUT e pela UNE. O ambiente tenso, a possibilidade de impedimento do governo Lula. Em meio a esse momento, mais de 40 entidades dos movimentos sociais escreveram uma “Carta dos movimentos sociais ao povo brasileiro”, que pautava Contra a desestabilização política do governo e contra a corrupção: Por mudanças na política econômica, pela prioridade nos direitos sociais e por reformas políticas democráticas! Um texto longo, no qual pela primeira vez tive contato com uma proposta de reforma política que tinha como centro o financiamento público exclusivo de campanha, o voto em lista e a fidelidade partidária.

Para mim foi muito importante um movimento como o MST, que me parece o maior movimento social do país hoje, se posicionar contra a desestabilização do governo e pautar uma reforma política. Esse documento foi o primeira voz dissonante daquela gritaria que se ouvia por todos os lados e só sabia reclamar e denunciar. Era um documento propositivo, que não ficava na denúncia pela denúncia, mas que propunha mudanças

A "mudança de atitudes" versus a "reforma política"

A “mudança” dos movimentos sociais é bem diferente dessa “mudança” do e-mail que recebi hoje. A primeira mudança entende a política como instrumento de mudança da própria política, enquanto que a “mudança de atitudes” do e-mail que recebi é uma mudança que se propõe no plano individual, partindo do local desarticulado, sem projeto de nação, de sociedade. “Se cada um fizer a sua parte” é o pressuposto do e-mail. A “mudança” no contexto da carta dos movimentos sociaIs é coletiva, se dá em macro-escala, leva o debate para os grande palcos de disputa de concepções, ou seja, leva a mudança para a macropolítica, articulada, ciente da contradição das forças.

Por não achar que eu tenha o direito de não ser propositivo, é que eu preciso optar. Entre a “mudança” do e-mail e a mudança dos movimentos sociais, minha escolha é pelos movimentos sociais. Entre mudar atitudes na minha casa e esperar que o mundo mude porque estou dando exemplo, e lutar coletiva e militantemente nas ruas e em todos os espaços de tomada de de decisão, eu escolho o segundo caminho. Por que sei que não me posicionar, não propor, é o mesmo que ser conivente com a permanência das coisas como estão.

É por achar que o Brasil precisa avançar na reforma política que combata a corrupção, e que para além disso avance na reforma tributária que onere as grandes fortunas, e que avance no desenvolvimento do país, geração de empregos, distribuição de terras e de renda, sustentabilidade ambiental, minha opção é pela derrota de Serra e pela vitória de Dilma, porque Dilma está muito mais próxima dessas bandeiras democráticas do que Serra.

Mas para além do voto, acho que nossa intervenção deve ser desmesuradamente política. Não ter vergonha de levantar bandeira, de colocar adesivo no peito, de ter posição, ainda que se possa reconhecer eventuais erros na posição tomada. Ficar em cima do muro jamais. Vacilar jamais. Tem muita coisa em jogo. Tem gente passando fome na rua hoje, que vai dormir na rua não sei quanto tempo, e a gente só resolve isso pela intervenção política. Por isso não dá tempo de vacilar. Se trata de abrir o rumo.

A esperança precisa vencer a desilusão. Não aquela esperança que é um cruzar de braços e esperar. Mas aquela esperança que trabalha conscientemente na construção do amanhã coletivo.

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Diálogo continuado sobre momento e lucidez sobre o Brasil pelo PCdoB

Na postagem anterior, de maneira brevíssima refleti com as ideias do Renato Rabelho, presidente do PCdoB. Igordefato deu continuidade contribuindo nas reflexões. Apresento aqui seu texto:
O novo e o velho Brasil coexistem - Por Igordefato

Estamos na reta final da campanha, mas nessa manhã eu fiz uma paradinha para pensar um pouco nesse momento que o país vive. É um momento novo, um momento de mudança. E como bem reflete Renato Rabelo, "para o novo surgir e crescer, sempre surge entranhado com o velho". Essa análise é importante para que a gente não se perca e fique sem entender o que está acontecendo.

Tem muita gente que está na turma dos "desiludidos" porque não está entendendo isso. Muitos dos que votaram em Lula em 2002 hoje não votam em Dilma, porque acham que Lula os traiu, baseados nos escândalos do suposto mensalão. Os factóides de corrupção que pulularam na mídia nas eleições de 2006, somados a política econômica de juros altos que privilegia os banqueiros foram um baque para um importante extrato da classe média que se considerou "enganada" . É nessa classe média que está fundamentalmente a base eleitoral de partidos midiáticos como PSOL de Heloísa Helena, e o próprio PV de Marina Silva.

Em 2006, sob ataques raivosos da imprensa empresarial (Globo, Veja, Folha, etc) aliados às vociferações do setor radicalizado da classe média que teve em Heloísa Helena sua melhor porta-voz, Lula mesmo assim resistiu e foi reeleito. Por que? No momento em que a classe média, antes eleitora de Lula, em parte o abandonou, ele foi sustentado por dois extratos da população que antes o apoiavam bem menos: os ricos (industriais, banqueiros, etc) e a população mais pobre, beneficiada pelo Bolsa Família, entre outras políticas.

Essa mudança do eleitorado de Lula reflete uma mudança importante. Os quatro anos iniciais de Lula, caracterizados por uma manutenção dos juros altos aliada às políticas sociais de distribuição de renda criou essa base eleitoral dual.

No Nordeste, onde Lula tem 80% de popularidade, e onde a pobreza é mais intensa, o cenário eleitoral apresenta aspectos curiosos dessa dualidade. Vale destacar Pernambuco e Bahia, onde Eduardo Campos, do PSB, e Jaques Wagner, do PT, estão disparados nas pesquisas das eleições dos governos estaduais, com grandes chances de vitória, representando uma derrota histórica para o coronelismo. No mesmo Nordeste, no Maranhão, a candidata das oligarquias Roseana Sarney é a favorita para a vitória, com o apoio constrangido do PT. Como se vê, a vitória do "novo" em Pernambuco e Bahia pode vir acompanhada da vitória do "velho" no Maranhão.

Conversando com amigos que estiveram no Nordeste, pude ter visões das mudanças que estão acontecendo naquela região. A transposição do Rio São Francisco, aliada às obras do PAC e ao Bolsa Família, estão gerando empregos, levando luz e água para populações que antes tinham acesso precário a esses bens essenciais. Trata-se de um massivo movimento de melhoria da qualidade de vida de milhões de pessoas que antes não tinham o básico do básico: água, comida, luz, emprego decente. Essa é a camada mais intensamente grata a Lula.

Um relato de um nordestino me chamou atenção a respeito disso. Ele me disse que várias pessoas do sul, onde a classe média é mais representativa, acham que os nordestinos são "alienados", que foram "comprados" pelo Bolsa Família. Ele argumenta que essa é uma ideia preconceituosa que a classe média têm dos mais pobres. Acham que os pobres são "burros", sempre massa de manobra.

Ele explicou que os nordestinos pobres sempre souberam que eram explorados pelos coronéis e em grande parte sempre votaram neles, não por serem enganados, mas porque isso lhes garantia minimamente a sobrevivência com as esmolas dadas em troca da permanência no Poder. Mesmo que a esquerda dissesse ao sertanejo pobre que deveria se revoltar por sua pobreza, a dureza da vida severina lhes fazia aceitar calado sua exploração, porque para quem está na miséria, fica difícil projetar grandes projetos de mudança, se pensa em ter um prato de comida para si e para a família.

O Bolsa Família rompeu com o ciclo do coronelismo porque mostrou ao sertanejo concretamente que é possível uma política pública que o permita segurança alimentar sem depender do coronel. Permitiu que o sertanejo pobre tivesse a dignidade de recusar a esmola do coronel. O povo nordestino é eternamente grato ao filho de Garanhuns, e por isso apóia a "Mulher de Lula". Entender esse apoio como "renovação do coronelismo" é desrespeitar a posição política de uma classe que tomou uma decisão legítima em defesa de seus interesses, a despeito da tentativa de manipulação da mídia.

Voltando ao pensamento de Rabelo, "para o novo surgir e crescer, sempre surge entranhado com o velho". Para entender o momento em que vivemos, esse pensamento é essencial.

O Brasil vive seu melhor momento desde a redemocratização, com indicadores sociais consideráveis: 12 milhões de empregos gerados, 27 milhões de pessoas saídas da linha da pobreza, 14 universidades federais novas, milhares de concursos públicos, vagas novas nas universidades, salário mínimo de 300 dólares, a valorização da PETROBRAS. Mas essa novidade surgiu emaranhada no "velho", que representa os juros e os altos lucros dos banqueiros, a manutenção de focos de poder das oligarquias nos meios de comunicação, no sistema político, na estrutura urbana e rural. Dilma, se eleita, fará uma gestão marcada por essa dualidade entre o "novo", que é a emergência da população mais pobre, e o "velho" que é a manutenção dos privilégios da burguesia financeira.

Para colaborar na vitória do novo, a luta será permanente. No entanto, sem clareza de projeto para o país, a luta pode se dar de maneira atabalhoada, atacando muitas vezes inimigos imaginários. Boa parte da classe média está sem projeto de Nação, presa num discurso vazio da ética, da desvalorização da política, do desencanto com o mundo e com o país. Esse setor "desiludido" da classe média teria muito a contribuir com o país se olhasse com solidariedade para o fenômeno novo da conquista da cidadania de milhões de pessoas que estão saindo da miséria, conquistando empregos, entrando nas universidades.

Se a classe média se alia com a classe baixa, o governo poderá ter força para desamarrar nós que parecem cegos, como a reforma tributária com taxação progressiva, desonerando os mais pobres e onerando os mais ricos, a reforma política com financiamento público exlusivo e voto em lista, a reforma urbana que garanta o acesso de todos a cidade, a reforma agrária com a distribuição de terras, a democratização dos meios de comunicação.

A classe média tem em suas mãos uma oportunidade histórica. Basta saber se estará a altura de sua responsabilidade com o país de contribuir para o novo triunfar sobre o velho na construção de uma nação forte, com democracia e distribuição de renda.