quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Registro: Viva ao PCdoB e seus 90 anos de coerência e luta

Para finalizar este dia, é muito importante demarcar que participo de um partido que tem noventa anos de história e não 90 dias. Tenho orgulho disso! Muitas mídias que nos atacam possuem uma história muito menor e com fatos objetivos vergonhosos, como por exemplo conivência com opressão do povo na ditadura militar e falta de coerência com a legislção de comunicação no Brasil. Continuamos lutando pela radicalização da democracia, pela diversidade dos meios de comunicação, contra os monopólios familiares da imprensa e por muito desenvolvimento do país com distribuição de renda. Viva ao PCdoB, viva aos fatos indicativos de progresso no esporte brasileiro, e viva a fibra guerreira do Orlando!

terça-feira, 25 de outubro de 2011

Comentário sobre grandes mídias do Brasil e PCdoB

Basta um pouquinho de preparo lógico acadêmico (e com lucidez teórica dialética) que percebemos o quão preocupados estão alguns grupos de "comunicação" no Brasil com o crescimento da esquerda e principalmente dos comunistas. Uma referencia importante é a Revista Época da editora Globo, última. Ao folhar toda a revista, pude perceber o temor expresso pela argumentação difusa. Praticamente toda a revista é uma declaração simbólica que diz o seguinte:  "... os comunistas tem mesmo número deputados federais de quando o PT teve candidato a presidente pela primeira vez - e não tiveram ainda, tem ministério, tem presença em movimentos sociais, quer democratizar oferta de comunicação social e tem potencial em eleger muitos prefeitos em capitais e cidades importantes. Isso tem que parar!!! A influência deve ser concentrada num único foco de construção da opinião pública!"




quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Mais uma importante proposta de reflexão; apresento texto do meu amigo Igor de Fato

Por um controle social do Sistema S
Igor Corrêa Pereira*

Temos neste espaço e na militância nos debruçado sobre o desafio do desemprego e o subemprego da juventude. Já dissemos muitas vezes que o caminho para superar o desemprego  e o subemprego é a educação, e em especial a educação para o mundo do trabalho, ou seja, a educação profissional. Hoje temos uma situação contraditória no país. De um lado, temos milhões de jovens desempregados ou em empregos de baixa remuneração e péssimas condições de trabalho. De outro, temos sobra de vagas tanto em profissões de nível superior quanto em atividades com menor escolaridade, mas que necessitam de conhecimento técnico. Ou seja, emprego existe, mas os jovens não têm acesso a essas vagas por falta de qualificação. 

Esse problema não pode ser resolvido de outra forma senão com investimento pesado em educação profissional. Tendo isso em vista, o governo está prestes a aprovar o PRONATEC (Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e ao Emprego). O caminho adotado pelo PRONATEC para equacionar a falta de qualificação profissional da juventude trabalhadora é a ampliação dos IFET's (Instituto Federal de Ciência, Educação e Tecnologia) e fortalecimento das redes estaduais de ensino, bem como de investimentos na rede privada de ensino e no sistema S, que congrega 11 entidades empresariais, dentre elas o Sesi, o Sesc, o Senai e o Senar. 

Em meio a Conferência de Juventude, onde os jovens estão dizendo o que pensam também em relação a sua inserção no mundo do trabalho, cabe se desafiar a responder a pergunta: qual educação profissional queremos? Qual a diferença entre a formação ofertada pelos IFET's, a formação do ensino médio estadual integrado e a que se desenvolve no Sistema S? 

IFET's: Unidades públicas de promoção de ciência e tecnologia 

Os Institutos Federais reuniram as antigas escolas técnicas ligadas às Universidades Federais e os Centros Federais de Educação Tecnológica (CEFET's) em Instituições públicas promotoras de oferta de educação científica e tecnológica do nível básico até a pós-graduação. Os IFET's reúnem um incremento jamais visto de investimento na área de educação profissional, numa clara intervenção do Estado com vistas a promoção do desenvolvimento econômico e social. O seu caráter público e sua qualidade comprovada encontra respaldo em boa parte dos movimentos sociais que reivindicam a educação pública como fator de desenvolvimento. Os cursos desenvolvidos nestas Instituições obedecem a parâmetro nacionais de qualidade e são conduzidos por docentes e técnicos em sua maioria com mestrado ou doutorado, em regime de dedicação exclusiva, e cursos com duração mínima de 800h. 

Ensino médio integrado a educação profissional 

A Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica (Setec) do governo federal iniciou em 2008 a implantação do ensino médio integrado a educação profissional em 1.537 escolas das redes de cinco estados. As iniciativas do PRONATEC parecem dar continuidade a esse processo, o que contribui para a necessária melhoria da qualidade do ensino médio.

Sistema S: Uma gigante estrutura público-privada de educação profissional

A ampliação da oferta de vagas das instituições privadas de ensino técnico e do Sistema S são escolhas do PRONATEC, aos moldes do que foi o PROUNI no ensino superior. Vamos destacar aqui nossa discussão sobre o Sistema S, que aparenta ser o ponto mais crítico do programa. O chamado "Sistema S" é uma criação da década de 1940 formada por 11 entidades (Leia a lista das 11 no rodapé da máteria). Os recursos do Sistema S vêm dos encargos salariais dos trabalhadores de diferentes áreas produtivas, que são utilizados por entidades na sua maioria de direito privado, para atividades educativas e sociais. Estima-se que cerca de 8 bilhões de reais de dinheiro público são investidos anualmente para o sistema S, e segundo informações do MEC, apenas 3 bilhões são gastos com cursos de educação profissional, que na sua maioria não são gratuitos. Aqueles que são gratuitos, na sua maioria têm curta duração, com cargas que variam de 20 a 60 horas, podendo ser ministrado por instrutores sem necessidade de formação na licenciatura, e não havendo nenhum tipo de critério público para a elaboração de seus projetos pedagógicos. O resultado da falta de regulamentação do ensino ofertado pelo Sistema S é a ausência de garantia em relação a qualidade. Contudo, importa ponderar que a estrutura do Sistema S é sólida e não se pode hoje pensar numa política consistente de educação profissional sem contar com essa estrutura, que pelo financiamento público deve ter também mecanismos de controle social.

PRONATEC: aposta no público e privado para ampliação da oferta da educação profissional 


É inegável o mérito e a relevância deste projeto de lei, que toca em questões centrais para alavancar o desenvolvimento do país. Está na ordem do dia expandir a educação profissional e para além disso contribuir para a melhora da qualidade do Ensino Médio. No entanto, algumas ponderações iniciais devem ser feitas. A principal deficiência do programa parece ser a falta de controle social sobre o Sistema S, com vistas a garantir qualidade nos cursos ofertados. Não é admissível que uma entidade de direito privado ganhe orçamento público sem contrapartida nenhuma para elaboração de cursos. É preciso que os cursos ofertados pelo Sistema S tenham que obedecer a parâmetros mínimos de qualidade, referentes a carga horária, formação do ministrante, relevância concreta do projeto pedagógico do curso para o sistema produtivo, dentre outros critérios. O atendimento de parâmetros públicos é uma prerrogativa mínima de qualquer entidade que percebe recursos públicos.  

Paralelo a isso, e não menos importante, está o investimento na implantação de um ensino médio público integrado. Essa deve ser a prioridade do PRONATEC, o Sistema S deve ser um complemento emergencial. O ensino médio é dever constitucional do Estado. Isto posto, a estratégia preferencial deve ser a instituição de políticas que permitam aos sistemas estaduais oferecer educação profissional integrada ao ensino médio.

* Igor Corrêa Pereira é membro do Coletivo de Juventude da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB) no RS; coordenador da Associação dos Servidores da UFRGS (ASSUFRGS); e especialista em gestão
educacional pela UFSM.

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Discurso de abertura na Tenda de Reforma Urbana, 29 de Janeiro de 2009, Fórum Social Mundial, Belém



Estão fechando 2 anos deste discurso e ainda confere muita informação valiosa para pensarmos os problemas do Mercado Financeiro e Habitação, sobretudo agora que estamos vivendo no Brasil uma euforia pelo programa Governamental "Minha Casa Minha Vida", que está concedendo a multiplicação de casas e expansão das cidades. 
 
Segue o discurso:

David Harvey

Para mim, é um imenso prazer estar aqui, mas em primeiro lugar eu gostaria de me desculpar por falar m inglês, que é a língua do imperialismo internacional. Eu espero que o que eu vou dizer seja suficientemente antiimperialista para que vocês me perdoem por isso. (aplausos)

Eu estou muito grato pelo convite que me fizeram, porque eu aprendo muito com os movimentos sociais. Eu vim aqui para aprender e para ouvir, e, portanto, eu já considero esta uma grande experiência educacional, pois, como disse Karl Marx certa vez, sempre há a grande questão acerca de quem vai educar os educadores.

Eu tenho trabalhado já há algum tempo com a idéia de um direito à cidade. Eu entendo que o direito à cidade significa o direito de todos nós a criarmos cidades que satisfaçam as necessidades humanas, as nossas necessidades. O direito à cidade não é o direito de ter – e eu vou usar uma expressão do inglês – as migalhas que caem da mesa dos ricos. Todos devemos ter os mesmos direitos de construir os diferentes tipos de cidades que nós queremos que existam.

O direito à cidade não é simplesmente o direito ao que já existe na cidade, mas o direito de transformar a cidade em algo radicalmente diferente. Quando eu olho para a história, vejo que as cidades foram regidas pelo capital, mais que pelas pessoas. Assim, nessa luta pelo direito à cidade haverá também uma luta contra o capital.

Eu quero agora falar um pouco sobre a história da relação entre o capital e a construção de cidades, fazendo uma pergunta: Por que o capital consegue exercer tantos direitos sobre a cidade? E por que as forças populares são relativamente fracas contra aquele poder? Eu também gostaria de falar sobre como, na verdade, a forma com que o capital opera nas cidades é uma de suas fraquezas. Assim, eu acredito que, dessa vez, a luta pelo direito à cidade está no centro da luta contra o capital. Nós estamos vivendo agora, como todos sabem, uma crise financeira do capitalismo. Se nós olharmos para a história recente, nós descobriremos que ao longo dos últimos 30 anos houve muitas crises financeiras. Alguém fez os cálculos e disse que desde 1970 houve 378 crises financeiras no mundo. Entre 1945 e 1970 houve apenas 56 crises financeiras. Portanto, o capital tem produzido muitas crises financeiras nos últimos 30 ou 40 anos. E o que é interessante é que muitas dessas crises financeiras têm origem na urbanização. No fim da década de 1980, a economia japonesa quebrou, e quebrou por conta da especulação da propriedade e da terra. Em 1987, nos Estados Unidos, houve uma enorme crise, na qual centenas de bancos foram à falência, e tudo se deveu à especulação sobre a habitação e o desenvolvimento de propriedade imobiliária. Nos anos de 1970 houve uma grande crise mundial nos mercados imobiliários. E eu poderia continuar indefinidamente, dando-lhes exemplos de crises financeiras com origens urbanas. Meu cálculo é que metade das crises financeiras dos últimos 30 anos teve origem na propriedade urbana. As origens dessa crise nos Estados Unidos estão em algo chamado crise das hipotecas sub prime. Mas eu chamo esta crise não de crise das hipotecas sub prime, e sim de crise urbana.

O que aconteceu foi que nos anos de 1990 surgiu o problema de um excedente de dinheiro sem destinação – o capitalismo é um sistema que sempre produz excedentes. Nós podemos pensar a coisa da seguinte forma: o capitalismo acorda certa manhã e vai ao mercado com certa quantidade de dinheiro e compra trabalho e meios de produção. Ele põe estes elementos para trabalhar e produz certo bem, para vendê-lo por mais dinheiro do que ele tinha no começo. Assim, no fim do dia o capitalista tem mais dinheiro do que ele tinha no começo do dia. E a grande pergunta é: o que é que ele faz com aquele extra que conseguiu? Bem, se ele fosse como você e eu, ele provavelmente sairia e se divertiria gastando o dinheiro. Mas o capitalismo não é assim. Há forças competitivas que o impelem a reinvestir parte de seu capital em novos desenvolvimentos. Na história do capitalismo, tem havido uma taxa de crescimento de 3% desde 1750. Uma taxa de crescimento de 3% significa que é preciso encontrar saídas para o capital. Desse modo, o capitalismo sempre se confronta com aquilo que eu chamo de problema da absorção do excedente do capital: onde eu posso encontrar uma saída lucrativa em que aplicar o meu capital? Em 1750, o mundo inteiro estava aberto para essa questão. E, àquela época, o valor total da economia global era de 135 bilhões de dólares em bens e serviços. Quando se chega a 1950, há 4 trilhões de dólares em circulação, e você tem que encontrar saídas para 3% de 4 trilhões. E quando se chega ao ano 2000, tem-se 42 trilhões de dólares em circulação. Hoje, provavelmente, este valor chega a cerca de 50 trilhões. Em 25 anos, a uma taxa de crescimento de 3%, ele será de 100 trilhões. Isso significa que há uma crescente dificuldade em encontrar saídas rentáveis para o excedente de capital.

Essa situação pode ser apresentada de outra forma. Quando o capitalismo era essencialmente o que acontecia em Manchester e em outros poucos lugares do mundo, uma taxa de crescimento de 3% não representava um problema. Agora nos temos que colocar uma taxa de 3% em tudo que acontece na China, no Leste e no Sudeste asiáticos, na Europa, em grande parte da América Latina e na América do Norte, e aí nós temos um imenso, gigantesco problema. Os capitalistas, quando têm dinheiro, têm também a escolha de como reinvesti-lo. Você pode investir em nova produção. Um dos argumentos para tornar os ricos ainda mais ricos é que eles reinvestirão na produção, e que isso gerará mais emprego e melhores padrões de vida para o povo. Mas desde 1970 eles têm investido cada vez menos em novas produções. Eles têm investido na compra de ativos, ações, direitos de propriedade, inclusive intelectual, e, é claro, em propriedade imobiliária. Portanto, desde 1970, cada vez mais dinheiro tem sido destinado a ativos financeiros, e quando a classe capitalista começa a comprar ativos, o valor destes aumenta. Assim eles começam a fazer dinheiro com o crescimento no valor de seus ativos. Com isso, os preços da propriedade imobiliária aumentam mais e mais. E isso não torna uma cidade melhor, e sim a torna mais cara. Além disso, na medida em que eles querem construir condomínios de luxo e casas exclusivas, eles têm que empurrar os pobres para fora de suas terras – eles têm que tirar o nosso direito à cidade. Em Nova York, eu acho muito difícil viver em Manhattan, e vejam que eu sou um professor universitário razoavelmente bem pago. A massa da população que de fato trabalha na cidade não tem condições de viver na cidade porque o preço dos imóveis subiu exageradamente. Em outras palavras, o direito das pessoas à cidade foi subtraído. Às vezes ele é subtraído por meio de ações do Mercado, às vezes por meio de ações do governo, que expulsa as pessoas de onde elas vivem, às vezes ele é subtraído por meios ilegais, violentos, ateando-se fogo a um prédio. Houve um período em que parte de Nova York sofreu incêndio após incêndio.

O que isso faz é criar uma situação em que os ricos podem cada vez mais exercer seu domínio sobre toda a cidade, e eles têm que fazer isso, porque essa é a única forma de usar seu excedente de capital. E em algum momento, entretanto, há também incentivos para que esse processo de construção da cidade alcance as pessoas mais pobres. As instituições financeiras concedem empréstimos aos empreendedores imobiliários para que eles desenvolvam grandes áreas da cidade. Você tem os empreendedores que promovem o desenvolvimento, mas o problema é: para quem eles vendem os imóveis? Se a renda da classe trabalhadora estivesse crescendo, então talvez eles poderiam vendê-los para os trabalhadores. Mas desde os anos de 1970 as políticas do neoliberalismo têm implicado reduções salariais. Nos EUA, os salários reais não têm aumentado desde 1970, de tal modo que se tem uma situação em que os salários reais são constantes, mas os preços dos imóveis estão subindo. E de onde vem a demanda por habitação? A resposta consistia em conduzir as classes trabalhadoras a uma situação de débito. E o que nós vemos é que o débito com habitação nos EUA passou de cerca de 40.000 dólares por família para mais de 120.000 dólares por família nos últimos 20 anos. As instituições financeiras batem nas portas dos trabalhadores e dizem “Nós temos um bom negócio para você. Nós lhe emprestamos dinheiro e você pode ter sua casa própria. E não se preocupe se mais adiante você não conseguir pagar sua dívida, porque os preços dos imóveis estão subindo, então tudo está bem.”

Assim, mais e mais pessoas de baixa renda foram levadas a contrair dívidas. Mas cerca de dois anos atrás, os preços dos imóveis começaram a cair. A distância entre o que os trabalhadores podiam pagar e o tamanho da dívida tornou-se grande demais. De repente houve uma onda de execuções de hipotecas em muitas cidades americanas. Mas como geralmente acontece com algo desse tipo, há um desenvolvimento geográfico desigual de tal onda. A primeira onda atingiu comunidades de baixíssima renda em muitas das cidades mais antigas dos Estados Unidos. Há um maravilhoso mapa que pode ser visto na página eletrônica da BBC das execuções hipotecárias na cidade de Cleveland. O que se vê é um mapa pontilhado das execuções, que é altamente concentrado em certas áreas da cidade. Há do lado deste um outro mapa, que mostra a distribuição da população afro-americana, e os dois mapas correspondem entre si. O que isso significa é que ocorreu um roubo à população afro-americana de baixa renda. Esta foi a maior perda de ativos de populações de baixa renda nos EUA de todos os tempos: dois milhões de pessoas perderam suas casas. E naquele mesmo momento o pagamento de bônus em Wall Street ultrapassava a casa dos 30 bilhões de dólares – que é o dinheiro extra pago aos banqueiros pelo seu trabalho. Assim, os 30 bilhões pagos em Wall Street foram efetivamente retirados das populações dos bairros de baixa renda. Fala-se sobre isso nos Estados Unidos como um “Katrina financeiro”, porque, como vocês se lembram que o furacão Katrina atingiu particularmente Nova Orleans, e foi a população negra de baixa renda que foi deixada para trás, sendo que muitos morreram. Os ricos protegeram seu direito à cidade, mas os pobres essencialmente perderam o deles.

Na Flórida, na Califórnia e no Sudoeste americano, o padrão foi diferente. Ele se mostrou muito mais nas periferias das cidades. Lá, muito dinheiro estava sendo emprestado a grupos de construtoras e incorporadoras. Eles estavam construindo casas fora da cidade, 45km fora de Tuscon e de Los Angeles, e não conseguiam encontrar para quem vendê-las. Então eles buscaram a população branca que não gostava de viver perto de imigrantes e de negros nas cidades centrais. Isso levou a uma situação que se revelou há um ano, quando os altos preços da gasolina tornaram as coisas muito difíceis para aquelas comunidades. Muitas pessoas não conseguiam pagar suas dívidas, de modo que aconteceu uma onda de execuções hipotecárias que está se dando nos subúrbios, e atinge principalmente os brancos, em lugares como a Flórida, o Arizona e a Califórnia. Enquanto isso, o que Wall Street fez foi pegar todas aquelas hipotecas de risco e embrulhá-las em estranhos instrumentos financeiros. Eles pegavam todas as hipotecas de um determinado lugar e colocavam-nas num pacote, e então vendiam partes daquele pacote para outras pessoas. O resultado é que todo o mercado financeiro de hipotecas se globalizou, e o que se vê são pedaços de propriedade hipotecária sendo vendidas para pessoas na Noruega, na Alemanha, no Golfo e em qualquer lugar. Todos foram convencidos de que essas hipotecas e esses instrumentos financeiros eram tão seguros quanto casas. Acabou que eles não se mostraram seguros, e então sobreveio a grande crise, que segue sem parar. Meu argumento é que se essa crise é basicamente uma crise de urbanização, então a solução deve ser uma urbanização diferente, e é aí que a luta pelo direito à cidade se torna crucial, porque nós temos a oportunidade de fazer algo diferente.

Mas sempre me perguntam se essa crise é o fim do neoliberalismo. Minha resposta é “não”, se se olha para o que está sendo proposto em Washington e em Londres. Um dos princípios básicos que foram estabelecidos na década de 70 é que o poder do Estado deve proteger as instituições financeiras a qualquer preço. Se há um conflito entre o bem estar das instituições financeiras e o bem estar do povo, opta-se pelo bem estar das instituições financeiras. Este é o princípio que foi desenvolvido na cidade de Nova York City em meados dos anos 70, e que foi definido internacionalmente pela primeira vez quando houve a ameaça de falência do México em 1982. Se o México tivesse ido à falência, isso teria destruído os bancos de investimentos de Nova York. Assim, o Banco Central dos Estados Unidos e o Fundo Monetário Internacional combinaram esforços para ajudar o México a não entrar em falência. Em outras palavras, eles emprestaram o dinheiro que o México precisava para pagar os banqueiros de Nova York. Mas, ao fazê-lo, eles impuseram austeridade à população mexicana. Ou seja, eles protegeram os bancos e destruíram as pessoas. Essa tem sido a prática padrão do FMI desde então. Agora, se olharmos para a resposta dada à crise pelos Estados Unidos e a Inglaterra, nós veremos que o que eles efetivamente fizeram foi salvar os bancos – são 700 bilhões de dólares para os bancos nos EUA. Eles não fizeram absolutamente nada para proteger os proprietários de imóveis que perderam suas casas. Então, é este exatamente o mesmo princípio que agora vemos em funcionamento: proteger as instituições financeiras e foda-se o povo. O que nós deveríamos ter feito era pegar os 700 bilhões e criar um banco de redesenvolvimento urbano, para salvarmos todas as comunidades que estavam sendo destruídas e reconstruir as cidades a partir das demandas populares. O interessante é que, se nós tivéssemos feito isso antes, muito da crise teria simplesmente desaparecido, porque não haveria a execução das hipotecas. Nesse meio tempo, nós precisamos organizar um movimento antidespejo – e temos visto isso acontecer em Boston e em algumas outras cidades. Mas, nesse momento da história nos EUA, há um sentimento de que a mobilização popular está restrita porque a eleição de Obama era a prioridade. Muitas pessoas esperam que Obama faça algo diferente, mas infelizmente os seus consultores econômicos são exatamente os mesmos que criaram o problema. Eu duvido que Obama venha a ser tão progressista quanto Lula. Eu acho que nós teremos que esperar um pouco antes que os movimentos sociais comecem a agir. Nós precisamos de um movimento nacional pela reforma urbana como o que vocês têm aqui. Nós temos que construir uma militância do mesmo tipo que vocês construíram aqui. Nós temos que, de fato, começar a exercer nosso direito à cidade. E em algum momento nós teremos que reverter o modo como as instituições financeiras são priorizadas em detrimento do povo. Nós temos que nos questionar o que é mais importante, o valor dos bancos ou o valor da humanidade. O sistema bancário deveria servir às pessoas, e não viver à custa das pessoas. A única forma que temos de, em algum momento, nos tornarmos capazes de exercer nosso direito à cidade é controlando o problema da absorção do excedente capitalista. Nós temos que socializar o excedente do capital. Nós temos que usá-lo para atender necessidades sociais. Nós temos que nos livrarmos do problema da acumulação constante dos 3%. Nós chegamos a um ponto em que uma taxa de crescimento constante de 3% irá impor custos ambientais tão imensos, irá exercer uma pressão tão grande sobre as questões sociais, que nós viveremos em perpétua crise financeira. Se nós sairmos dessa crise financeira do modo que eles querem, haverá uma outra crise financeira dentro de cinco anos. Chegamos a um ponto em que não podemos mais de aceitar o que disse Margaret Thatcher, que “não há alternativa”, e que devemos dizer que deve haver uma alternativa. Deve haver uma alternativa para o capitalismo em geral. E nós podemos começar a nos aproximarmos dessa alternativa percebendo o direito à cidade como uma exigência popular internacional, e eu espero que possamos todos nos unir nessa missão. Muito obrigado. 

OBS: Este texto recebi de Edna Castro, Presidente da ANPUR, por intermédio do PROPUR/UFRGS. 

domingo, 19 de dezembro de 2010

Apontamentos da cidade levam ao urbano

  Escrito no primeiro semestre 2009, e apresentado para disciplina da Cidade ao Urbano PPG Geografia UFRGS.

Quando falamos em cidade podemos recordar as inúmeras abordagens transcorridas ao longo da história para se compreender o fenômeno do surgimento dessa forma espacial. São inúmeros os questionamentos que conduziram autores das ciências humanas para produzir escritos que ajudassem a compreender esse “agrupamento humano”.

Aqui trabalharemos reflexões a respeito de um caminho que aponte idéias que levam um olhar focado na cidade para algo mais complexo, que é o pensamento sobre o fenômeno urbano. Pretendemos, mais do que apontar detalhes de opiniões expressas por autores sobre o contexto que envolve a cidade e o urbano, evidenciar que na trajetória percorrida pela Geografia urbana encontramos saltos qualitativos a cada abordagem desenvolvida em tempos diferentes.
Estas reflexões são fruto de toda uma trajetória acadêmica que culmina com as discussões realizadas nos diversos encontros da disciplina ofertada na Pós-graduação em Geografia da UFRGS, ministrada pelo professor Oscar Sobarzo Miño. Observamos que este texto não tem ambição imediata de apresentar uma conclusão específica sobre a cidade e o urbano, mas sim, como já dito anteriormente “apontar” nas reflexões um caminho que leve observação da cidade ao urbano.
Optamos por realizar apontamentos da cidade de Porto Alegre, a capital gaúcha, que permitirá conduzir as reflexões as quais nos propomos. Na verdade faz parte de um exercício que buscou fazer um caminho inverso, invés de escrever observações da evolução do pensamento escrito sobre a cidade, realizamos nós escritos sobre a cidade de Porto Alegre numa perspectiva descritiva. Partindo das ideias abstraídas desse exercício daí sim caminharemos para um olhar mais elaborado, da cidade buscaremos reflexões que conduzam ao urbano. Através deste exercício apontaremos contradições da condição urbana da cidade de Porto Alegre, buscando mostrar que a análise feita na escala apenas da cidade ou tão somente descritiva dos movimentos que dão “vida” a cidade não garantem a clareza do processo histórico construtor dessa realidade produtora de desigualdades e espoliação urbana1
Apontamentos da cidade
Para um observador atento há grandes chances de ficar surpreso com a dimensão de uma cidade como Porto Alegre, inda mais para alguém que não pertence a cidade, ou seja, citadino de outro lugar. Trata-se de uma capital de um Estado.

Fotografia centro de Porto Alegre, vista Mercado público.

O emaranhado de pessoas que circulam no centro dessa cidade é algo que expressa um cotidiano ao máximo dinamizado. Durante uma rápida observada nas ruas do centro em dia da semana percebemos milhares de pessoas a caminho de suas atividades, vão ao trabalho, as compras, aos bancos ou até mesmo trabalham nesse vai e vem dinâmico do centro da cidade. O curioso é observar a paisagem que esses fluxos imprimem no espaço, há um misto de concentração e desconcentração de pessoas conforme o ângulo a ser visto.
Um dos motivos da concentração se dá normalmente em função de atividades artísticas e culturais que convivem com o dinamismo do centro da cidade. Outro motivo é o comércio por meio de lojas estabelecidas em prédios, edifícios ou até mesmo em secções das ruas. Em contraste à concentração percebemos a desconcentração, ou seja, é mais importante na configuração da paisagem os fenômenos que dão vida aos pontos do espaço que surgem as aglomerações/concentrações de pessoas.
Por mais que reconheçamos na paisagem essas concentrações/aglomerações percebemos certa “harmonia” no funcionamento da cidade. Existem regras que coordenam o transito de veículos, sejam eles carros, ônibus, motocicletas ou caminhões. Existe certo ordenamento dos fluxos. Se conseguirmos nos livrar por alguns instantes da obviedade que faz encarar o dia a dia através de rotineiras ações que fogem dos questionamentos, podemos ficar surpresos com o fato de a cidade comportar mais um milhão de pessoas! Como isso se torna viável?
Com uma vista aérea da cidade percebe-se melhor a dimensão desse aglomerado humano, no entanto, de forma a ver a cidade como um todo. O ordenamento das principais ruas indica a grande capacidade que a humanidade tem em conseguir organizar a condução do cotidiano na cidade. É perfeitamente possível destacar quais são as principais vias que articulam os movimentos de pessoas e mercadorias no interior da cidade, até parecem verdadeiras “veias”, os “vasos sanguíneos” que permitem a vida da cidade em seu dinamismo. Comprovamos este fato quando observamos aos domingos, dias em que há menor dinamismo da cidade, que os fluxos reduzem sensivelmente, dando um ar de “adormecimento”. A cidade parece seguir um compasso ditado pela condição humana da sociedade, quando maioria da população dorme a cidade também “adormece” quando grande parte da população aos domingos não trabalha, a cidade trabalha menos. Esse olhar da cidade por cima, nos permite sim, reconhecer a ligação direta existente do Ser humano com a cidade, ambos pulsam no mesmo compasso.


Vista conjunto de viadutos próximo a rodoviária de Porto Alegre.

Podemos nestes apontamentos estabelecer dois recortes para descrever a cidade que observamos. Um que procura admitir um recurso cultural de diferentes grupos sociais que conduzem suas vidas de acordo com seus valores na cidade. Outro recorte pode ser a generalização, através de um olhar que comporte ao mesmo tempo todos os grupos culturais em uma mesma quadra de análise, trata-se de observar os aspectos mais universais do comportamento humano que atuam na competição econômica e na seleção natural que estabelecem o desenvolvimento da cidade através do dinamismo desta competição.

Acreditamos através de nossas observações, que os dois recortes citados acima são passíveis de considerar a cidade, pois ambos se complementam.

Quando, ao olhar as imagens acima reconhecemos uma dinâmica organizada pela busca de condições de cada pessoa para seu sustento, podemos admitir que há uma competição. Fato que ajuda a concluir desta maneira é a necessidade que cada um tem de se locomover com rapidez, com objetividade. As pessoas se movem para dar conta de conquistar seus bens e serviços necessários para sua mantença enquanto ser humano que tem necessidades vitais.

 O desenvolvimento da cidade conduziu as pessoas para esse dinamismo que busca a sobrevivência de forma cada vez mais rápida. Destacamos na paisagem da cidade os diversos telefones públicos que indicam essa evolução, uma evolução de pouco tempo se compararmos a história da civilização. Até a energia elétrica podemos reconhecer como decorrência de desenvolvimento da cidade, basta recorrer à situação da cidade no início do século passado, certamente verá as diferenças. Outro fato é visível no transito, que cresceu de forma muito espantosa, pois condiciona uma mudança incrível da paisagem da cidade. Podemos encarar todo esse desenvolvimento como uma evolução mediada pelas condutas de competição entre os grupos e indivíduos da sociedade. Esse recorte dá conta de abstrair a cidade como forma espacial resultante da natureza social do humano, evidenciando que o comportamento das pessoas conduziu a expansão da cidade em função da competição econômica ao longo dos anos.
Como complemento deste recorte específico de observar a cidade (apresentado acima), nós encontraremos em escala específica de grupos, outro recorte. A competição pela vida na cidade, vista de forma generalizada, nos dá uma noção do ambiente de rivalidades. No entanto, no conjunto social podemos converter essa visão para uma questão de cooperação competitiva. Vejamos, por mais que haja competição na cidade de Porto Alegre, por exemplo, entre os vendedores ambulantes há uma certa “trama de vida” que conduz a competição individual a uma “harmonia” expressa na acomodação das rivalidades pela “cooperação” entre os vendedores. Ora, todos precisam ganhar a possibilidade de adquirir condições de bem viver, eles competem nas vendas é verdade, mas há uma cooperação no que diz respeito a permanência do comércio ambulante. Neste caso evidenciamos emergência de outro recorte de análise. Trata-se de uma escala ligada aos grupos específicos.
Rapidamente apontamos o exemplo do comportamento de vendedores ambulantes que no centro da cidade se rivalizam para atingir mais vendas, trata-se de um caminho investigativo que venha a buscar entender a construção da cultura específica deste grupo em função do “aspecto cooperativo” presente na lógica de exercício da vida.
Concluindo esta parte dos apontamentos queremos dizer que o exercício da vida de diferentes grupos na cidade, sejam eles, categorias diferentes de trabalhadores, residentes de bairros específicos, moradores de vilas ou favelas e grupos étnicos, dentre outros, são “comunidades” específicas, mas que seu arranjo espacial é passível de exercício abstrato que deduza modelos de desenvolvimento da cidade, quando analisados tais comunidades no contexto funcional harmônico.
Vendedor ambulante no centro de Porto Alegre.

Um balanço necessário
Até aqui fizemos vários apontamentos buscando descrever e desenvolver alguma lógica para a cidade que causa espanto para quem atentamente pára para observa - lá através seu dinamismo cotidiano. Notemos que os escritos acima estão longe de caracterizar um texto acadêmico com rigor científico, mas é muito ilustrativo para pensarmos a cidade enquanto expressão da organização humana e mais do que isso, auxiliar na compreensão dos trabalhos produzidos na primeira metade do século passado.
Uma reflexão que tenho decorrente das leituras, dos trabalhos que chamamos oriundos da Ecologia Humana e também da Geografia Tradicional, é que realmente compreende-se o envolvimento curioso e atento dos pesquisadores na questão da cidade. Se hoje, ainda é possível deslumbrar-se com a dimensão das cidades, do dinamismo, da “evolução” em pouco mais de um século, fico pensando como não seria para um pesquisador inserido no contexto onde a mudança de um mundo rural começa a se encaminhar para um mundo mais citadino.
Os pesquisadores da Escola de Chicago foram pioneiros nos questionamentos sobre a cidade no ocidente. Buscaram entender o que estava ocorrendo em Chicago no pleno processo de crescimento da cidade, no início do século passado. Essa expansão ocorria com problemas de conflitos entre diferentes grupos que migravam para a cidade, havia todo um contexto promissor para as reflexões da academia. Robert E. Park foi importante pesquisador em Chicago e influenciou com suas pesquisas empíricas, muitos trabalhos. Usou metáfora da ecologia para escrever sobre a competição pelo espaço, influenciado pelo Darwinismo. Um aspecto típico das pesquisas era “confecção de mapas, onde se situavam os diferentes tipos de população, grupos étnicos, raças, espécies de atividades: em que lugar da cidade, por exemplo, se concentravam as atividades criminosas?” (BECKER, Howard. 1990)
Existe certa historiografia do pensamento da cidade e a Geografia. Concordamos que os estudos em sociologia da Escola de Chicago tenham influenciado as pesquisas em Geografia. Reconhecemos também que no caso dos estudos no Brasil a abordagem empirista resultante das influencias da Ecologia Humana permitiram que cada vez mais se problematizassem reflexões das cidades, num continuum dialético de renovação dos pontos de vista dos pesquisadores. Mas não podemos esquecer-nos do processo histórico produzido em escala global.
Os estudos conduzidos pelo EUA, através da famosa Escola de Chicago ganharam força para repercutir em todo hemisfério ocidental pela pertinência contextual estabelecida pela sobreposição de um país que objetivava ser potencia mundial. Fato que pode ilustrar essa situação é a influencia do milionário americano da industria do petróleo que fundou a Standard Oil, o famoso Rockfeller, John D. Ele fez uma enorme doação para a Universidade de Chicago. (BECKER, Howard. 1990)
No livro “A Produção social do espaço urbano” de Mark Gottdiener apresenta um balanço das principais teorias que pensam o espaço urbano nos capítulos 2 e 3. Ele faz um detalhamento historiográfico e dos personagens que desenvolveram influencias no estudo da cidade. Quero aqui concordar, com este autor na crítica que expõe a respeito das formulações abstratas, usadas para entender a organização social pela Ecologia urbana. Tais formulações desconsideravam todo o conflito em torno da distribuição injusta da riqueza social.
Contudo, nos apontamentos sobre a cidade de Porto Alegre, num exercício1 de reflexão descritiva buscamos explorar as possibilidades discursivas de abordagem semelhante a Ecologia Urbana. Através deste exercício conseguimos construir um ensaio de análise que caminha para uma coerência nos fatos expostos. A descrição revelou situações da cidade no início do século XXI, poderíamos continuar a descrição num esforço quase que antropológico. Fico inclinado a reconhecer utilidade dessa abordagem no contexto da cidade, pois a cada situação observada há uma descrição cabível no uso de metáforas da Ecologia. Basta o leitor aqui recordar os inúmeros termos utilizados entre aspas na parte do texto intitulada Apontamentos da cidade.
Agora queremos destacar situações contraditórias que exigem um nível de análise que ultrapasse a “descrição qualificada” da cidade. O pensamento construído de forma isolada da paisagem da cidade condiciona alguns reducionismos, que dão ao processo histórico aparente ausência de influencia no que observamos, por exemplo, em Porto Alegre. A cidade encontra-se enquanto materialidade observável. O entendimento do processo histórico que desencadeou o surgimento, expansão e nível de complexidade das cidades contemporâneas faz parte da dimensão de uma sociedade que cada vez mais se consolida, através do que chamamos de urbanização.

Da cidade ao urbano: apontamentos
São vários os estudos realizados pela Geografia que consideram a cidade inserida num contexto de urbanização, num processo histórico. Destacamos também os vários estudos que se preocuparam em entender os padrões seguidos nas cidades em suas formas espaciais. São inúmeros trabalhos que buscam entender a inter-relação das cidades através das redes e hierarquias urbanas, outras conhecidos textos são os que realizavam por “Monografias Urbanas”. Nos transcorrer destes estudos saltos qualitativos seguiram sucessivas mudanças na forma da ciência geográfica entender a cidade, o que cultiva a idéia de que as várias abordagens para a cidade e o urbano, no desenvolvimento dialético permitiu fortes contribuições, o que tolera não desconsiderar as diferentes abordagens teórico-metodológicas da Geografia Urbana.
É interessantíssimo destacar que é pelo desenvolvimento das reflexões sobre a cidade que chegamos ao Urbano. No transcorrer do percurso das reflexões coletivas da ciência, foram momento a momento percebendo que, explicar a cidade por ela mesma não daria conta das crescentes dúvidas que surgiam das contradições descobertas em cada trabalho. A cada impasse organizativo da cidade, a cada conflito entre grupos, a cada problemática ambiental que continuamente se ampliava (e amplia) os fatos exigiam novos olhares e novas reflexões.
Devo aqui apontar mais uma vez pelo que já foi dito, a respeito da necessidade de buscar entender a cidade inserida num processo histórico social de totalidade2. É curioso o fato da influencia marxista ter chegado ao Brasil apenas em meados dos anos 70 na Geografia urbana, assim como, curioso a influencia no ocidente ser tardia. Em uma primeira aproximação, deste fato, exploro a ideia de que a abordagem cientifica (ocidental) primeiro tentou negar a contradição básica, de que, a produção dos bens necessários a manutenção da vida são coletivos mas a apropriação tem sido privada. Não dando conta de explicar os problemas urbanos (e das cidades) em função das contradições a geografia foi se renovando3 até considerar os problemas da cidade como problema intrínseco ao processo urbano.
A cidade de Porto Alegre convive com engarrafamentos, fato presente nas regiões metropolitanas de todo país e mundo; o comércio informal insere-se como alternativa de de centenas de milhares de famílias que não tem na “formalidade” da cidade legal um espaço para bem viver, estruturando-se os “circuitos inferiores” da economia urbana, conforme contribuição de Milton Santos; o desenvolvimento da cidade é desigual e desumano para muitas famílias que se quer tem condições dignas de alimentação, moradia e saúde; a criminalidade é um ponto chave para qualquer descrição da cidade, basta fazer a pergunta na região central de Porto Alegre para qualquer cidadão: “aqui é seguro?” certamente as observações feitas dirão que nenhum lugar se está seguro na cidade.
Tais apontamentos da cidade Porto Alegre não se explicam na “cidade”, mas sim no fato urbano da sociedade. Ao menos que queiramos descrever de forma ingênua assim como feito na primeira parte destes escritos. Para entender de forma a desvendar a essência do processo de urbanização faz-se necessário reconhecer a contribuição iniciada por Karl Marx e Engels sobre a cidade e o Capital. Reconhecer que historicamente se estabelece relações de conflito entre a divisão do trabalho e a produção reprodução da cidade em meio ao processo de urbanização da sociedade, nestas palavras encontramos reflexões de Henri Lefebvre.

Apontamos assim observações da Cidade ao Urbano.


Mauricio Scherer
Mestrando Geografia

Bibliografia:
GOTTDIENER, Mark. A produção social do espaço urbano. São Paulo: Edusp, 1993 [1985], p. 35-114.

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MCKENZIE, Roderick D. O âmbito da ecologia humana. Cidades. Presidente Prudente, V. 2, n. 4, p. 341-353, jul.-dez. 2005. [original de 1926].

PARK, Robert E. A cidade: sugestões para a investigação do comportamento humano no meio urbano. In: VELHO, Otávio G (org.). O fenômeno urbano. 3. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1976, p. 26-67. [original de 1916]

WIRTH, Louis. O urbanismo como modo de vida. In: VELHO, Otávio G (org.). O fenômeno urbano. 3. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1976, p. 90-113. [original de 1938]

ABREU, Mauricio de A. O estudo geográfico da cidade no Brasil: evolução e avaliação. Contribuição à história do pensamento geográfico brasileiro. In: CARLOS, Ana F A. Os caminhos da reflexão sobre a cidade e o urbano. São Paulo: Edusp, 1994, p. 199-322.

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____. O centro da cidade de Salvador. Salvador: Universidade da Bahia, 1959 [1958].
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HARVEY, David. A justiça social e a cidade. São Paulo: Hucitec, 1980 [1973]. Capítulo 4: A teoria revolucionária e contra-revolucionária em Geografia e o problema da formação do gueto; e Capítulo 5: Valor de uso, valor de troca e a teoria do solo urbano (p.l03-166).
____. Do administrativismo ao empreendedorismo: a transformação da governança urbana no capitalismo tardio. In: ____. A produção capitalista do espaço. São Paulo: Annablume, 2005, p. 163-190. [Texto originalmente publicado em 1989].

1 Trata-se realmente de exercício de busca reflexiva não tendo maiores efeitos exploratórios da cidade no que diz respeito a produção cientifica que busque objetivos específicos.
2 Noção de totalidade é certamente uma contribuição do prof. Milton Santos.
3 Claro que ainda existem possibilidades de contribuição para pensar a cidade atual as diferentes abordagens.
 
1 Sobre as condições de vida nas cidades, há importante estudo de Lúcio Kowarick, no Livro a Espoliação urbana.

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Movimentos sociais na produção e reprodução do espaço urbano

OBS: Este texto foi originalmente publicado pelo XVI Encontro Nacional dos Geógrafos, cujo endereço eletrônico da publicação é este: www.agb.org.br/evento/download.php?idTrabalho=3882.


Mauricio de Freitas Scherer1,
Paulo Roberto Rodrigues Soares2

            1. Geógrafo, mestrando do Programa de pós-graduação em Geografia – UFRGS mauricioscherer@gmail.com
2. Prof. Doutor do Programa de pós-graduação em Geografia – UFRGS (orientador)


INTRODUÇÃO

Este trabalho faz parte de uma pesquisa desenvolvida na produção de dissertação do mestrado. Aqui será apresentado parte de um objetivo mais amplo de investigar a participação dos movimentos sociais na produção do espaço urbano, buscando sistematizar os resultados da disputa por moradia através do protagonismo dos movimentos sociais na cidade Santa Maria-RS. Nosso foco aqui é trabalhar Movimentos sociais e urbanização em Santa Maria-RS no sentido de apresentar resultados preliminares que indiquem os contornos teóricos possíveis para abordar ação dos movimentos sociais e urbanização.
Trabalharemos na perspectiva dos movimentos sociais que tem nas ocupações sua principal expressão de luta por mudança do Status quo da realidade social. A problemática que se apresenta enquanto proposta de trabalho diz respeito a indagação quanto a contribuição dos movimentos sociais para melhoria socioespacial das cidades, em especial o caso de Santa Maria-RS em sua expansão/consolidação urbana. Investigar os movimentos sociais urbanos permitirá subsídio para melhor compreender a dinâmica da cidade e a participação dos atores construtores deste espaço, com destaque para os movimentos sociais.


METODOLOGIA

A produção deste trabalho, até o momento, seguiu forte reflexão teórica-metodológica para conduzir a pesquisa. Usamos articulação de investigações anteriores sobre a questão urbana em Santa Maria-RS e movimentos sociais com as reflexões teórico-metodológicas de revisões bibliográficas. Desta maneira nossa prática de campo, observações, relatórios de pesquisa e dados de pesquisas anteriores se incluem como recursos metodológicos que usamos para este trabalho. A estratégia utilizada foi de relacionar a produção do espaço urbano no contexto do processo de urbanização e movimentos sociais urbanos que ocupam áreas para reivindicar moradia. Neste sentido, o uso empírico das ocupações servem para fazer análise pretendida, seguido de avaliação e contextualização da teoria sobre urbanização e produção/reprodução do espaço.
Esse exercício que articula empírico (ocupação) e avaliação/contextualização teórica de urbanização possibilitou esta breve síntese até agora alcançada, qual apresentamos aqui.

DESENVOLVIMENTO DA PROPOSTA
Ajustando as “escalas”
O estudo do espaço geográfico persegue muitos caminhos para entender sua formação e dinâmica. A Geografia é o ramo da ciência que a muito vem definindo os contornos aos quais seguir para bem interpretar este fenômeno humano, decorrente das relações sociais com o meio. A delimitação espaço urbano, aqui em questão, não significa uma compartimentação a um objeto diferente da lógica mais ampla do conhecimento geográfico, mas sim como já dissemos, uma delimitação um pouco mais restrita a determinado ângulo de observação, o espaço urbano. Detalhando um pouco mais, expomos nosso tema Movimentos sociais na produção e reprodução do espaço urbano em Santa Maria -RS”. O interesse é pesquisar o espaço urbano, sua produção enquanto materialidade da sociedade, sua dinâmica e problemáticas nas relações dos movimentos sociais na cidade de Santa Maria, no Estado do Rio Grande do Sul. Além da produção do espaço urbano, também vamos buscar trabalhar a reprodução, demarcando o movimento que há no urbano enquanto processo em constante dinamismo na cidade. Em síntese dizemos, a pesquisa é voltada para a produção/reprodução do espaço urbano por meio dos movimentos sociais em Santa Maria.
Contextualizando realidades
Com uma realidade tipicamente urbana, a sociedade mundial vive dilemas que são na grande parte indissociáveis aos problemas da cidade, de uma maneira geral. Entendemos como sendo um forte problema em pesquisas nas ciências sociais e humanas buscar reflexão e consequente ação para enriquecer saídas aos problemas urbanos. Não raro encontramos posicionamentos genéricos próprios do senso comum que indicam o crescimento das cidades pela ótica da “desorganização” do espaço, figurando apenas algumas poucas cidades “organizadas”. Este tipo de pensamento segue provavelmente um olhar objetivo e ideologizado do espaço, que qualifica como sendo bem ou mal planejado. As cidades que a grosso modo, identificamos como bem “organizadas” e planejadas são poucas, mas ajudam a manter as críticas, que no cotidiano as pessoas remetem aos problemas ditos urbanos. Um exemplo claro deste aspecto que descrevemos, é a culpa da “desorganização” e falta de planejamento do espaço frente as áreas favelizadas e de ocupação irregular do solo urbano. A expressão conhecida é: “a cidade não teve planejamento...”; “em tal cidade é diferente, lá teve planejamento”. O que queremos chamar atenção é a construção de um ideário que sustenta um caráter aleatório da construção das cidades, o que denota parte do discurso corrente no interior da sociedade. Nestas palavras apontamos um problema a ser constantemente enfrentado por pesquisas sobre o urbano, vencer o senso comum.
É corrente para muitos críticos que a atuação dos movimentos sociais nas cidades, podem prejudicar possível organização da cidade, ou seja, os movimentos sociais como, por exemplo, os que ocupam áreas para fins de moradia criam “desorganização” do espaço das cidades. Desorganização espacial urbanística e jurídica tal formulação prega que movimentos sociais apenas “atrapalham” o bom andamento da cidade. Não seria interessante para o campo do conhecimento científico verificar até que ponto essa formulação se sustenta? A nosso ver a Geografia pode e deve discutir esse problema. A essa opinião podemos vincular a presença nem sempre evidente do que David Harvey denominou de teorias do status quo e contra-revolucionária (1980).
Nas últimas décadas, sobretudo pós anos 1980, no caso brasileiro os movimentos sociais ganharam destaque pela intensidade das contestações e reivindicações ao Estado. Antes deste período, fortes eram as denúncias à ditadura militar. Em decorrência do “enfraquecimento” do regime militar, “Novos personagens entram em cena” como a referência dada por Eder Sader (1988). As reflexões teóricas também avançam, buscando entender as ocorrências dos movimentos sociais e suas condições históricas e sociais de atuação. Verificamos uma presença bastante forte a partir da década de 1990 do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST nas atuações e, em desdobramento grande preocupação acadêmica em estudar. Queremos dizer que os movimentos campesinos possuem grande destaque, enquanto os movimentos urbanos, embora tão presentes, não são evidenciados de igual maneira. Estudar movimentos sociais urbanos na participação da produção do espaço é sem dúvida ainda um campo vasto e promissor no âmbito das ciências.

Uma consideração a respeito da ideia de produção
A noção de produção que assumimos metodologicamente é a que sistematizamos por contribuição de Henri Lefebvre (1999; 2001). Este trabalha a possibilidade de pensar o espaço social sob pressuposto da produção. Toda sua teoria é basicamente projetada a partir dos conhecimentos oriundos do marxismo. Envolvendo dialeticamente aspectos do tecido urbano, práxis social, e conflito de classes reinsere o contexto explicativo para produção. Assim evidencia duplo aspecto do termo produção, podendo ser restrito, no sentido da produção das coisas mais palpáveis e mais amplo, no sentido das produções humanas que extrapolam os limites do “objetivo”. Importante aqui é apresentar essa concepção destacando como aporte teórico-metodológico.

Movimentos Sociais?
Trabalhamos na perspectiva dos movimentos sociais que tem nas ocupações sua principal expressão de luta por mudança do Status quo. São vários os casos, para citar os mais correntes apontamos como referencia as ocupações de grande repercussão dos movimentos campesinos tendo mais visibilidade nacional as ações do MST quando ocupam latifúndios, sedes de multinacionais, órgãos estatais e até mesmo o centro das grandes cidades; outro caso é dos movimentos que ocupam terra urbana para lutar por direito a moradia, sendo que muitas vezes as ocupações vão além das áreas a serem conquistadas, como por exemplo, ocupações do centro das cidades, prefeituras e demais instituições do Estado com objetivo de “coagir o poder público para o cumprimento das reivindicações” (SANTOS, R. 2008, p.10). Por fim, exemplificamos, movimento social que recentemente teve destaque no uso de ocupação como recurso para defesa de suas pautas foi o movimento de estudantes universitários que ocuparam diversas reitorias de universidades públicas em 2007, ano aniversário de 70 anos da UNE - União Nacional dos Estudantes, que defenderam, dentre outras, manutenção da educação pública, ampliação de vagas sem contingenciamento financeiro e mudança de política econômica do governo federal.
Através destes exemplos, situamos, que movimentos sociais nos referimos, partindo das práticas, denominadas pelos próprios movimentos: ocupações de Latifúndios, órgãos públicos estatais, Reitorias de universidades, terrenos públicos, prédios abandonados no centro de cidades... Podemos reconhecer nestes casos, semelhanças que ajudam a agrupar, em função de suas características, um recorte específico de movimentos sociais.
Bernardo Mançano Fernades traz importante reflexão que vai de encontro com o entendimento de movimentos sociais que tratamos aqui. Em seu artigo “Movimento Social como categoria Geográfica” (FERNANDES, 2000), apresenta a idéia de Movimento Sócio Territorial, destacando a atuação por meio de ocupações. Trabalha baseando-se nas experiências com movimentos sociais rurais, mais especificamente o MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, no entanto propõe que suas reflexões cabem a outros movimentos sociais. Neste artigo o autor procura aprofundar as reflexões a respeito dos processos de espacialização e territorialização da luta pela terra. Quanto a forma de organização dos grupos classifica dois tipos de movimentos, os isolados e os territorializados. Os movimentos isolados1 são ligados a base territorial determinada, suas lutas indicam mais resistência de abrangência local. Já os movimentos territorializados ou “socioterritoriais” estão organizados e atuam em diferentes lugares ao mesmo tempo, ação possibilitada por causa de sua forma de organização, que permite espacializar a luta para conquistar novas frações do território, multiplicando-se no processo de territorialização. Trata-se, portanto, de movimento sócioterritorial em virtude das articulações construídas em rede configurada na escala nacional. (2000, p.68)

Discussão sobre ocupações
O uso acadêmico de ocupação aparece em vários trabalhos que estudam o urbano e as diferenciações das formas de cada fração que compõem a cidade; apresentam o centro, o bairro, a vila, as áreas irregulares e condomínios fechados. Fala-se nos “usos e ocupação” do solo urbano, por exemplo, em estudos que envolvam ordenamento territorial. Em se tratando de áreas juridicamente irregulares em alguns estudos aparecem distinções na classificação; há quem trabalhe com invasões e quem trabalhe com ocupações urbanas ou muitas vezes uma falta de diferenciação que não reflete sobre possíveis singularidades de cada termo, admitindo apenas, o caráter juridicamente irregular da forma urbana, ou seja, atribuindo sentido de sinônimo para ocupação e invasão. Nessa discussão reconhecemos que há diferenças definidoras de cada termo em se tratando de espacialidades. Numa rápida definição Arlete Moyses Rodrigues (RODRIGUES, A. 1988) distingue favelização de ocupação, o que nos permite considerar especificidade nas formações espaciais, onde a primeira seria decorrente de um processo continuo de concentração de famílias sem moradia em áreas precárias ambientalmente, algo fruto da espontaneidade de cada família, o que condicionaria certa “falta” de ordenamento urbanístico, ao contrário da segunda que teria uma organização prévia com preocupação mínima de arranjo espacial, escolha2 de área com possibilidades mínimas de ajustes de moradia para coletividade participante do ato.
Além fato organizativo a ocupação nesse sentido seria uma ação para reivindicação de moradia, uma ação política organizada, além das características espaciais possivelmente diferenciadas. O sentido de ocupação estaria condicionado por ação política organizada.
Outra possibilidade é considerar produção juridicamente irregular do espaço urbano como sendo ocupação espontânea e ocupação organizada, o importante seria a maneira como ocorreu a ocupação, o fato gerador da espacialidade. Neste caso valeria atribuir como sinônimo invasão, sendo espontânea e invasão organizada já que o destaque seria a existência ou não de organização coletiva para usar o espaço, admitindo, que de qualquer forma (espontânea individual/ organizada coletivamente) há irregularidade jurídica. Mas, apoderar-se de forma organizada e coletivamente de espaço para morar, com contestação política pela falta de alternativas, em um contexto onde a produção do espaço é social e os benefícios são privados e para poucos, ocupar significa o mesmo que invadir? Nossa interpretação aponta validade para a ideia de apropriação refletida por Henri Lefebvre, ideia que contrapõe a realidade do domínio projetado e praticado pelo capitalismo.

RESULTADOS: MOVIMENTOS SOCIAIS NA PRODUÇÃO E REPRODUÇÃO DO ESPAÇO URBANO EM SANTA MARIA -RS

Santa Maria no Rio Grande do Sul é uma cidade que tem destaque na história recente na ação de movimentos sociais, sobretudo daqueles que a principal pauta é busca pelo direito a moradia. Um trabalho que ilustra este aspecto da cidade foi produzido por Alessandra Pinheiro (2002), que apresenta um panorama geral das ocupações ao longo das últimas décadas (1970 – 2000). Neste trabalho encontramos uma caracterização dos diversos tipos de ocupações irregulares, mostrando a produção do urbano fora dos padrões urbanísticos legais juridicamente.
Nas décadas de 1960 e 1970 ocorreram 11 ocupações em áreas urbanas de forma irregular em Santa Maria. Na década de 1980 foram 3 e na década seguinte, mais uma vez se destacam o grande número de ocupações, sendo 11 durante a década, com destaque para a Nova Santa Marta, a com maior expressão espacial (Pinheiro, 2002). Nos chama atenção as ocupações organizadas por movimentos sociais, estas ganham maiores expressões espaciais e visibilidade social decorrente da politização do fato. As duas maiores ocupações urbanas de Santa Maria foram decorrentes de ação dos movimentos sociais. A maior delas, Nova Santa Marta já estudamos sua origem, história e realidade sócio-espacial (Scherer, M. 2005; 2008).
O “mapa” da cidade foi nitidamente influenciado pelas ocupações que ocorreram.

Contornos teóricos possíveis pela ação dos movimentos sociais estudados até o momento
Territorialidade e apropriação são palavras que nos remetem a uma determinada ação. Para a discussão de produção e reprodução do urbano por meio dos movimentos sociais torna-se proveitoso, no sentido em que potencialmente qualifica o entendimento do sentido teórico da ação de tais movimentos por meio de ocupações.
Especificamente no caso de abordagem espacial de analise de territórios, se faz necessário confrontar, em se tratando de movimentos sociais e “ocupações” o posicionamento de cada exercício de poder, as relações que permitem a territorialização e espacialização de cada grupo envolvido. Reconhecemos as relações de conflitualidade social na atuação dos movimentos sociais territorializados. Quando movimentos do campo de da cidade realizam ocupações contestam o status quo promovem suas pautas, mas em conflitualidade com outros grupos de interesse, “a ocupação é um processo sócioespacial, é uma ação coletiva, é um investimento sócio político dos trabalhadores na construção da consciência da resistência no processo de exclusão”(FERNANDES, 2000, p. 73).
Partindo da ideia de que as ocupações são uma resistência no processo de exclusão social capitalista e falta de oportunidades políticas, podemos identificar na relação dos significados de ocupação versus invasão um conteúdo de práticas das territorialidades de grupos antagônicos. Ora, que são as práticas dos movimentos sociais senão uma busca de resignificação do espaço através de suas territorializações? A orientação de cada movimento (exemplo, o MST como rural e o MNLM – Movimento Nacional de Luta pela Moradia como urbano) aceita a discussão pública a respeito do significado de ocupação, pois admitem querer problematizar suas pautas, mostrar a abrangência do “fato ocupação” e mais do que isso, indicar que não são invasores, pois buscam condições mais dignas, ou seja, quererem se “apoderar” de melhores condições em suas vidas. Regina Bega dos Santos ajuda a esclarecer a diferença denotando que,
não é simplesmente semântica. No uso do termo invasão estão implícitas a ilegalidade e a violência da ação: invadir a privacidade ou a propriedade de outrem. Trata-se de uma ação ilegítima. O termo ocupação relaciona-se a conquista de um direito: ocupa-se o que é de direito. Aquilo que em algum momento, do passado ou do presente foi usurpado de um grupo ou classe social, mesmo que não tenha sido “diretamente” usurpado. Mas a desigualdade social, que também significa desigualdade de oportunidades, a exploração e a espoliação impediram que esses cidadãos mais pobres tivessem acesso a propriedade da terra ou a moradia. (Santos, R. 2008, p. 132)
Nos parece que o uso dado aos termos ocupação e invasão dependem do grupo que os expressam como representação. Esse fato nos remete a identificar distintas territorialidades que estão em conflito.
Os movimentos sociais ao qual nos referimos são territorializados. Identificamos através de suas práticas um interesse de ampliar seus horizontes em movimento de constante extensão de suas “fronteiras”. Essa idéia nos remete as clássicas proposições de Sack (1986), quando que vê nas estratégias de domínio do espaço uma constante busca por manter a extensão territorial. Fernandes descreve a construção de espaços de socialização política no caso do MST, evidenciando uma forma de organização social. Trata-se de um processo de formação política voltada para a superação de suas realidades, uma continuada preparação para a “ocupação”. Quando da ocupação, é dessa forma que os trabalhadores vem a público e dimensionam o espaço de socialização política, intervindo na realidade, construindo espaço de resistência e luta. Esse dimensionar da luta ocorre através de estratégia deste movimento social, pois constrói uma intervenção para além do lugar concreto da ação. Aqui encontramos o uso de estratégia que extrapola a dimensão do “imediato ocupado”, falo aqui da construção do espaço comunicativo em sociedade.
Uma idéia de Haesbaert apresentada por Ueda diz que “hoje o território é mais do que nunca movimentos, ritmos, fluxos e redes. Não mais se trata de um movimento qualquer ou um movimento de feições meramente funcionais, ele é também um movimento dotado de significados, de expressividade, isto é, que tem um determinado significado para quem constrói e/ou para quem usufrui dele. (Ueda, 2008. p.80)
Como já dito anteriormente, o sentido de ocupação para os movimentos sociais é amplo, eles ocupam o espaço para morar, a discussão política social, as manchetes de jornais, os espaços nos telejornais, os debates acalorados nos plenários das instancias do Estado dentre outras inúmeras maneiras de ocupar. Essa dimensão do ocupar não permite admitir, para uma análise criteriosa, um invadir para morar, invadir discussão política social, invadir as manchetes de jornais e por aí segue... Queremos com essa abordagem concordar com citação apontada anteriormente que “hoje o território é mais do que nunca movimentos, ritmos, fluxos e redes...”; o movimento social estruturado em rede configura através de seus ritmos de atuação um território, o território da luta dos movimentos sociais; “...ele é também um movimento dotado de significados, de expressividade, isto é, que tem um determinado significado para quem constrói e/ou para quem usufrui dele. (Ueda, 2008. p.80)
Ser portador de “significados” e de “expressividade” o território dos movimentos sociais tem constantes fluxos e refluxos que condicionam uma maior ou menor delimitação de sua extensão. As ocupações permitem, construir possibilidades de fluxos que venham a permitir, na disputa social, avanço de suas pautas por meio de sua territorialidade. Neste caso, está estabelecido uma relação estratégica do “ator social” movimentos sociais.
Até o momento fica nossa reflexão no seguinte aspecto: Ocupar comporta sentidos, que buscam nos significados interno de cada movimento no espaço/território, usar estes significados com projeção externa (do local ocupado) para cada vez mais se ampliar e apoderar-se do espaço com ressignificação condicionada pela territorialidade. O sentido do significado interno ao qual falamos, acreditamos ser a produção de representações do espaço.

CONCLUSÃO

Apresentamos até aqui ideias trabalhadas no percurso do grande objetivo de dissertação do mestrado. São preliminares mas que já adiantam conclusões avançadas da pesquisa. É possível vincular a construção do “desenho” da forma urbana de Santa Maria, a estrutura espacial, à presença dos movimentos sociais e suas ações de ocupações na luta por moradia. Reconhecemos assim, a não homogeneidade do processo nem tão pouco linearidade em sua evolução. A facilidade da simples enumeração de datas para o surgimento e crescimento das cidades e suas formas não garante o entendimento da urbanização e desenvolvimento espacial, por este motivo acreditamos ser as contradições históricas suporte para este objetivo. A sucessão dialética das ocasiões históricas nos permite encontrar os nexos explicativos. Curiosamente é na suposta “desorganização” da cidade que encontramos elementos para organizar conhecimentos sobre a cidade. Concluímos que as contradições encontradas no entorno das práticas de ocupações, protagonizadas por movimentos sociais, são suficientes para reconhecer uma urbanização real e não harmônica. Essa urbanização nem sempre tão evidente na sociedade. No estágio em que se encontra, nossa pesquisa revela novos conhecimentos importantes acerca de ação dos movimentos sociais e urbanização por meio de ocupação.
Na continuidade de novos trabalhos certamente teremos desdobramentos na relação ocupação e apropriação do espaço, revelando novo contexto da ação dos movimentos sociais na produção e reprodução do espaço urbano.
Na pesquisa vamos continuar seguindo uma possibilidade bastante atual para um novo desenvolvimento sócio-espacial, que considere além da produção coletiva também uma apropriação coletiva do espaço produzido. O capital reivindica sua reprodução, essa é sua busca constante. Os movimentos sociais organizados territorialmente projetam constantemente uma apropriação compartilhada do espaço, uma nova situação de relação social que contemple suas demandas, democratizando realmente a cidade. O limite para isso são os interesses de quem detém o domínio produtivo deste espaço.
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1 Neste caso incluímos observância de que os “isolados” seguramente também são territorializados, se territorializam também, mas não no nível de escala território nacional/internacional interligado organicamente em rede.
2Adverte-se ao fato de ocorrem ocupações com objetivo unicamente político, onde o ato de ocupar significa uma demarcação das posições políticas no sentido de pressão popular para determinada reivindicação.