quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Geografia, ciência da sociedade e/ou da natureza?

OBS: Este texto foi escrito no início de 2006, não teve (tem) pretensão de fechar ideias de maneira a apresentar opinião acabada. Foi mais uma reflexão, que agora ao revisar meus arquivos e ao lê-lo novamente, percebi que nessas ideias as vezes confusas pode haver nexo com minhas preocupações mais recentes, sobretudo referente ao mestrado. Como este blog também é um exercício pessoal de construção de pensamento resolvi publicar.

Geografia, ciência da sociedade e/ou da natureza?

A Geografia enquanto um conhecimento organizado, na forma de ciência passou por várias formas de compreender o espaço geográfico. Dentro da história da própria ciência há enfoques metodológicos diferenciados, de como entender o espaço ao longo do tempo. Muitos são os avanços. No entanto devemos compreender, em que sentido ocorrem estes avanços, qual a filosofia que dá influência para que haja tais avanços.
Para Robert Kurz1 é calamitosa a aliança dominante de uma lógica de ciência calcada no desenvolvimento científico-tecnológico na forma de sistema social moderno. Este sistema, dito como moderno está fortemente arraigado no conceito de objetividade e este conceito é projetado a partir da lógica do próprio homem.
Este fato apresentado por Robert Kurz evidencia que por de trás da roupagem da objetividade pregada pela ciência moderna, objetividade que coloca a ciência em prol da melhoria da vida humana, existe um ideal principal que é omitido pelas diversas ciências, este ideal refere-se ao objetivo (criado pelo pensamento dominante da ciência) de manipulação das massas excluídas da ciência. Neste sentido para Robert Kurz “o conceito de "objetividade", tal como se revela em Francis Bacon (1561-1626), nos albores da história científica moderna, é unilateralmente determinado pelo homem, e a respectiva pretensão não se dirige antes de tudo ao conhecimento e à melhora da vida humana, mas à sujeição e ao domínio.”.
“Tal crítica apresentada demonstra que o paradigma epistemológico ciência moderna está longe de ser "neutro"2, portanto não há neutralidade da ciência e quem por ventura for adepto deste entendimento provavelmente está neutralizado por um sistema científico dominante.
Depois de colocar alguns elementos e reafirmar que não há neutralidade da ciência geográfica, proponho um questionamento com objetivo de refletir sobre o encaminhamento dado dentro de algumas partes fragmentadas de nossa ciência, a Geografia.
Entre as partes fragmentadas delimito em primeiro momento a mais expressiva das ultimas décadas, Geografia física e humana. Em um segundo momento, coloco o que julgo ser a mais importante deste início de século, o surgimento da educação ambiental e interferência direta na geografia, culminando com o surgimento de setores científicos identificados com a geografia da natureza.
Na década de 1960 no Brasil ocorre o que poderia dizer de acirramento da “disputa” entre Geografia física e humana. A chamada Geografia crítica (parte Geografia humana) começa a questionar a falta de posicionamento crítico de várias áreas da geografia. Neste jogo de disputa certamente possibilitou certo “avanço” na ciência Geográfica, no entanto, chamo atenção para uma questão que é de escala de pensamento. Os avanços ocorridos naquela disputa não foram suficientes para questionar o paradigma epistemológico da ciência moderna, que está seguindo uma lógica de objetividade científica para dominação daqueles que estão excluídos do sistema acadêmico - que é “sabedor das verdades e supostamente sem posicionamento político”- e, não de melhoria de vida para coletividade humana.
A exigência de uma educação ambiental3, as reflexões sobre a paisagem natural delimitada apenas como rios, matas, arvores e prováveis poluições; torna-se moda na sociedade moderna e muito mais do que isto, torna-se economia ambiental. A Geografia também entra nesta moda com análises ambientais, como se o espaço geográfico fosse dividido em setores, como se o ambiental fosse alguns lugares deste espaço. Eis ai o que julgo ser a mais importante fragmentação do início deste século, o surgimento de uma ciência de abordagem ambiental.
Nesta segunda fragmentação da ciência Geográfica apresenta-se também uma lógica de sujeição e domínio. O que é objetivado por parte dominante da produção científica e a consequente sujeição do conjunto das demais na questão valorativa.
Objetivo destes escritos está longe de responder a pergunta do título, mas sim, aguçar posicionamentos de quê projeto de ciência Geográfica queremos. Ciência por ciência? Ciência que busca melhorias na vida de alguns grupos interessados em dominar os objetivos? Ou... Ciência por melhoria real nas condições de vidas de TODOS?
Por fim gostaria do ultimo questionamento: Sociedade pertence a natureza ou natureza pertence a sociedade? Ou será que sociedade e natureza juntas pertencem ao espaço Geográfico?

1 Robert Kurz é sociólogo e ensaísta alemão, autor de "O Colapso da Modernização" (ed. Paz e Terra) e "Os Últimos Combates" (ed. Vozes).
2 Palavras de Robert Kurz em http://eumatil.vilabol.uol.com.br/naturezaemruinas.htm
3 Não se trata aqui de uma crítica a educação ambiental e nem a tentativa de entendimento da natureza em ruínas pela degradação ambiental, mas sim a falta de entendimento programático da ciência Geográfica, falta de projeção do que é a ciência, ou seja, falta de identidade própria e sujeição ao paradigma dominante dado por necessidade de algumas filosofias de domínio da indústria científica.

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